sábado, 22 de julho de 2017


Quarteto Fantástico

Aos dois meses de idade foi acometido de uma febre acima de 40°, com muita tosse e olhos inflamados. Não demorou muito para perceberem pequenos pontos brancos no interior de sua boca e, não muito depois, apareceu uma mancha vermelha e plana, iniciando no seu rosto e espalhando para o resto do corpo. Era sarampo! Não havia sido vacinado e a consequência foi a perda total da visão. Estava relegado ao descaso e a ser um estorvo para os seus familiares, pois precisaria de acompanhamento total na realização de atividades básicas, teria dificuldades para se locomover, não aprenderia a ler e escrever, não teria como brincar com os coleguinha de sua idade. Batizaram-no de Aderaldo e com o passar do tempo foi-lhe acrescentada a alcunha de Ceguinho.
Em outro lado da cidade, a mesma em que Aderaldo crescia excluído de qualquer participação social, vivia uma bela garota, um pouco distinta das demais de seu convívio, pois nascera com os olhos puxados, os dedos curtos e grossos, a cabeça arredondada, os cabelos finos, dentre outra características congênitas. Sua mãe tinha mais de 40 anos quando engravidou dela e, não fazendo o pré-natal, o seu nascimento foi uma surpresa para todos, inclusive gerando desconfiança sobre a sua paternidade, uma vez que não havia semelhança alguma com seus dois irmãozinhos. Distintamente de Aderaldo, Yori tinha um convívio familiar tranquilo, em que seu potencial para superar seus limites era devidamente estimulado. Recebeu um nome de origem japonesa que significa “dependência”, por causa das suas feições orientais e pela consciência materna de que dependeria dela para quase tudo.
Austin não se relacionava “tipicamente” com as outra crianças, não tinha amigos próximos, não olhava olho no olho, pois tinha deficiências na comunicação, prejuízos na interação social e comportamento repetitivo e restrito. Foi-lhe atribuído tal nome porque significa “sublime”, pois suas qualidades ultrapassariam o comum. Não se sabe realmente a causa de seu transtorno. Há a hipótese de herdabilidade, mas é quase descartada, já que não há sequer um caso no histórico familiar. Outra possibilidade seriam fatores ambientais como: stress, infecções, exposição a substâncias químicas, complicações durante a gravidez ou desequilíbrios metabólicos. Nada disso parece constar no relato clínico do casal. Resta somete a proposição genética. Não importa! Será amado e terá um cuidado todo especial.
Não se pode dizer o mesmo de Ismael. Os cuidados para com ele não foram muito bons e, ainda que tenha nascido em uma família abastada, passou a ser considerado como uma maldição, depois que descobriram que não conseguia reagir aos sons que o circundavam. O nome de origem hebraica significa “Deus ouve”, mas Ismael não ouvia, coincidência ou não! O pai, judeu praticante, acreditava ter sido castigado como foi o sacerdote Zacarias, pai do profeta João Batista, por não acreditar na gravidez tardia da esposa. Uma lástima! O castigo caiu sobre o filho, cria desta forma. A mãe teve rubéola quando estava grávida, provável causa da surdez congênita.
Um grande vilão assolava as nações com super poderes, até então, insuperáveis. Suas garras eram afiadas e penetrantes e os braços semelhantes a tentáculos com ventosas que, além de sugar as consciências, mantinham suas presas alienadas e totalmente incrédulas em relação à aceitação de alguém que não estivesse dentro dos padrões impostos por ele. Chamava-se Exclusão e dominava o mundo, até se revelar o quarteto fantástico: Aderaldo, Yori, Austin e Ismael.
Juntos formavam a força poderosa contra o inimigo. O primeiro criara meios e artifícios para se relacionar com sua deficiência, pois usava outros sentidos como o tato e a audição, valendo-se de aspectos subjetivos para perceber o mundo. Ela, devido à carga de estímulos e de amor recebidos dos pais, amigos e familiares, desenvolveu um grande potencial para superar limites, para acreditar em si mesma e para desenvolver autoconfiança. Componentes indispensável para romper um dos tentáculos do grande monstro. O outro, como foi bem estimulado e educado, tornou-se sumamente obediente e, graças a sua literalidade, passou a cumprir com gosto muitas disposições que, em outros casos, ocasionariam em rebeldia e desengano. Mais um ponto fraco da abominável anomalia foi atingido! Por fim, o último super-herói, que havia vencido o antagonismo da falta de comunicação e adquirido autonomia através da LIBRAS, agora estava pronto para aniquilar, juntamente com seus companheiros, as forças do temível oponente. Exclusão derrotada!!  

Homenagem aos componentes do AEE (alunos e professores) da EMEIEF Dep. José Martins Rodrigues, Maracanaú – CE.

Francisco Fernandes

Jaguaribe, 22 de julho de 2017