segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Dindim Gourmet

Jamais contemplei tão belo crepúsculo! A cidadezinha com características provincianas localiza-se entre uma autoestrada federal e a margem direita de um rio. A aurora se dá por trás de uma cordilheira de serras que divisa um estado de outro e o sol, vermelho como uma grande bola de fogo, se oculta do outro lado do rio. São, precisamente, 30 de novembro de 1993 e chego de uma grande metrópole para adaptar-me a uma cidadela de aproximadamente 30 mil habitantes, que se distribuem entre a sede do município e cinco distritos. A urbe se localiza entre os dois postos de combustível que estão nas duas extremidades, pois é uma faixa populacional espremida entre a citada BR e o famoso rio. As pequeninas casas do Cruzeirinho de Aluísio Diógenes, sem o mínimo de infraestrutura e saneamento básico, se difundem entre ruelas enlameadas e a esperança política de suas reconstruções em regime de mutirão. Na outra extremidade, na parte de cima da cidade, às margem do rio Jaguaribe, está o Curralinho, comunidade de uma rua só, sem iluminação elétrica e sem calçamento, onde a bodega de Juvenal puxa energia da fazenda de Zé de Mundim. O hospital de Zé Campelo concorre com o SESP e o Colégio Clóvis Beviláqua com o Carmela Dutra. Do outro lado da BR 116, para os lados de quem vai para o Icó, inicia-se um novo bairro, a vila Zé Pinheiro, e com o valor de um salário mínimo é possível adquirir um lote de terra que pode ser escolhido da beira da rodagem até a orilha do riacho da barragem de seu Dé. O point do momento é a lanchonete do Miquim, “Antes e Depois”, que está no calçadão do centro da cidade, onde tem a melhor batata frita já degustada e o artista Osmar Negreiros - como ele não existe para os lados de cá, quiçá em todo o vale do Jaguaribe - inicia suas obras de arte no paredão do parque de vaquejada. Como ainda não me adaptei a esta pacata vida interiorana, ansiosamente espero o final de semana para embarcar no “seletivo” da Empresa Vale do Jaguaribe. O ônibus é de luxo, com ar condicionado, TV com vídeo e rodomoça para servir lanches durante o longo trajeto de 300 km, rumo à Grande Fortaleza.
Ouvi dizer que é nesta região onde há uma das maiores desertificações do país. A caatinga, bioma não encontrado em nenhum outro lugar do planeta, somente no sertão nordestino, está sendo quase que completamente arrasada. Isso ocasiona um grande desequilíbrio ambiental e logo desaparecerão os preás e as aves de arribação que sobejam nas feiras de sábado. Essas iguarias sempre fizeram parte da mesa e da cultura do sertanejo, basta lembrar das narrativas de “O sertanejo”, “Os sertões”, “O quinze” e os inúmeros romances que contam a saga desse povo aguerrido. Não é à toa que o uso de nomes de animais dessa fauna alcunhem algumas famílias daqui. Para nós, forasteiros, pode até ser cômico, mas, na verdade, deveriam fazer parte do patrimônio imaterial dessa gente. Talvez os próprios membros dessas famílias se sintam envergonhados com o apodo, porém, tanto os Urubu, como os Caçote, os Gato, os Cururu, estarão sempre em qualquer registro futuro deste município. É estranho também para mim, quando me perguntam quantos “bichim” eu tenho e demorei pouco para entender que perguntam da minha prole. Respondo que chego aqui com uma “bichinha”, na certeza de que terei um lugar tranquilo e seguro para educá-la. Ambiente totalmente oposto da imagem negativa que me passaram, quando disse que iria morar em Jaguaribe, pois todos a denominavam de “terra da pistolagem”. Prefiro a insígnia “terra do queijo”.
Chego à sombra da minha esposa, que vem a trabalho e já sei, devido à minha insignificância, que serei chamado de Francisco de Alcinete, pois essa peculiaridade da região muito me encanta e não vejo algum demérito nisso. São muitos os populares que recebem no nome a marca indelével de um ente próximo, seja pai ou mãe, marido ou mulher: Maria de Zé Albenes, Maria da Cabocla, Zezim de Eli, Maria de Marcelo, Toim de Zé Olímpio, Paulo de Netim, Dedé de João do Óleo etc. Bem aventurado aquele que traz no seu nome a lembrança de pessoas respeitadas, queridas, amadas.
Estranho um pouco, mas somente em Jaguaribe conheci uma das variações linguísticas mais exóticas da Língua Portuguesa e não adianta pensar de forma pejorativa, quando te convidarem para chupar uma “cafona”. Dê uma mordida na ponta ou no fundo do saco e se delicie com o prazeroso sabor desse manjar, que futuramente será chamado de dindim gourmet.
25 anos depois... aguarde na próxima edição.   
    
Francisco Fernandes

Jaguaribe, 16 de julho de 2017