Dindim
Gourmet
Jamais
contemplei tão belo crepúsculo! A cidadezinha com características provincianas
localiza-se entre uma autoestrada federal e a margem direita de um rio. A aurora
se dá por trás de uma cordilheira de serras que divisa um estado de outro e o
sol, vermelho como uma grande bola de fogo, se oculta do outro lado do rio.
São, precisamente, 30 de novembro de 1993 e chego de uma grande metrópole para
adaptar-me a uma cidadela de aproximadamente 30 mil habitantes, que se
distribuem entre a sede do município e cinco distritos. A urbe se localiza
entre os dois postos de combustível que estão nas duas extremidades, pois é uma
faixa populacional espremida entre a citada BR e o famoso rio. As pequeninas
casas do Cruzeirinho de Aluísio Diógenes, sem o mínimo de infraestrutura e
saneamento básico, se difundem entre ruelas enlameadas e a esperança política
de suas reconstruções em regime de mutirão. Na outra extremidade, na parte de
cima da cidade, às margem do rio Jaguaribe, está o Curralinho, comunidade de
uma rua só, sem iluminação elétrica e sem calçamento, onde a bodega de Juvenal
puxa energia da fazenda de Zé de Mundim. O hospital de Zé Campelo concorre com
o SESP e o Colégio Clóvis Beviláqua com o Carmela Dutra. Do outro lado da BR
116, para os lados de quem vai para o Icó, inicia-se um novo bairro, a vila Zé
Pinheiro, e com o valor de um salário mínimo é possível adquirir um lote de
terra que pode ser escolhido da beira da rodagem até a orilha do riacho da
barragem de seu Dé. O point do momento é a lanchonete do Miquim, “Antes e
Depois”, que está no calçadão do centro da cidade, onde tem a melhor batata
frita já degustada e o artista Osmar Negreiros - como ele não existe para os
lados de cá, quiçá em todo o vale do Jaguaribe - inicia suas obras de arte no
paredão do parque de vaquejada. Como ainda não me adaptei a esta pacata vida
interiorana, ansiosamente espero o final de semana para embarcar no “seletivo”
da Empresa Vale do Jaguaribe. O ônibus é de luxo, com ar condicionado, TV com vídeo
e rodomoça para servir lanches durante o longo trajeto de 300 km, rumo à Grande
Fortaleza.
Ouvi
dizer que é nesta região onde há uma das maiores desertificações do país. A
caatinga, bioma não encontrado em nenhum outro lugar do planeta, somente no
sertão nordestino, está sendo quase que completamente arrasada. Isso ocasiona
um grande desequilíbrio ambiental e logo desaparecerão os preás e as aves de
arribação que sobejam nas feiras de sábado. Essas iguarias sempre fizeram parte
da mesa e da cultura do sertanejo, basta lembrar das narrativas de “O
sertanejo”, “Os sertões”, “O quinze” e os inúmeros romances que contam a saga
desse povo aguerrido. Não é à toa que o uso de nomes de animais dessa fauna
alcunhem algumas famílias daqui. Para nós, forasteiros, pode até ser cômico,
mas, na verdade, deveriam fazer parte do patrimônio imaterial dessa gente.
Talvez os próprios membros dessas famílias se sintam envergonhados com o apodo,
porém, tanto os Urubu, como os Caçote, os Gato, os Cururu, estarão sempre em
qualquer registro futuro deste município. É estranho também para mim, quando me
perguntam quantos “bichim” eu tenho e demorei pouco para entender que perguntam
da minha prole. Respondo que chego aqui com uma “bichinha”, na certeza de que
terei um lugar tranquilo e seguro para educá-la. Ambiente totalmente oposto da
imagem negativa que me passaram, quando disse que iria morar em Jaguaribe, pois
todos a denominavam de “terra da pistolagem”. Prefiro a insígnia “terra do
queijo”.
Chego
à sombra da minha esposa, que vem a trabalho e já sei, devido à minha
insignificância, que serei chamado de Francisco de Alcinete, pois essa
peculiaridade da região muito me encanta e não vejo algum demérito nisso. São
muitos os populares que recebem no nome a marca indelével de um ente próximo,
seja pai ou mãe, marido ou mulher: Maria de Zé Albenes, Maria da Cabocla, Zezim
de Eli, Maria de Marcelo, Toim de Zé Olímpio, Paulo de Netim, Dedé de João do
Óleo etc. Bem aventurado aquele que traz no seu nome a lembrança de pessoas
respeitadas, queridas, amadas.
Estranho
um pouco, mas somente em Jaguaribe conheci uma das variações linguísticas mais
exóticas da Língua Portuguesa e não adianta pensar de forma pejorativa, quando
te convidarem para chupar uma “cafona”. Dê uma mordida na ponta ou no fundo do
saco e se delicie com o prazeroso sabor desse manjar, que futuramente será
chamado de dindim gourmet.
25
anos depois... aguarde na próxima edição.
Francisco Fernandes
Jaguaribe, 16 de julho de 2017
Exelente
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