domingo, 11 de junho de 2017

A Terceira Margem do Rio

A Terceira Margem do Rio é o título de um belíssimo conto de João Guimarães Rosa, que nos foi apresentado em uma formação para professores de Língua Portuguesa. Guimarães Rosa é um dos autores de ficção experimental da terceira geração do Modernismo. Sua obra é extremamente original, principalmente pelo uso de neologismo, que é a arte de inventar palavras, e pela linguagem popular que modificou radicalmente o regionalismo na literatura.  
No conto, o narrador apresenta-nos um pai de três filhos, sendo dois meninos e uma menina. O pai é uma pessoa quieta e tranquila, cumpre seus deveres sempre trabalhando honestamente, mas um dia resolve construir uma canoa e adentrar ao rio, ficando ali, porém distante das margens. Vive por anos naquela canoa, longe da família, isolado de tudo e de todos. No início o filho leva comida para a margens e ele se alimenta dela, sem sair da canoa. Com o tempo os filhos vão casando, a esposa vai morar na cidade com uma filha e o filho mais velho, ainda solteiro, resolve ficar na fazenda para cuidar do pai. Depois de muitos anos o filho decide substituí-lo no seu autoexílio, mas quando vê a imagem do pai deteriorada pelas intempéries dos longos dias de sol, chuva, desgaste físico etc., foge e adoece consumido por um grande remorso.
São muitas as interpretações feitas a esse conto. Uns o decifram pelo viés da religião, outros da psicologia, do existencialismo. Gostaríamos de analisá-lo da forma mais simples possível, pois observamos que em alguns contextos nos mantemos nessa terceira margem, principalmente quando notamos o quanto são melindrosos os relacionamentos. Alguns chamam isso de covardia, de falta de personalidade, mas preferimos descrevê-lo como um desejo de amizade, cumplicidade; principalmente quando se trata de um grupo de colegas de uma mesma instituição. Há aquela opinião de que futebol, política e religião não se discute, mas alguns acreditam que se pode debater de tudo, respeitando as ideias e não conduzindo-as para o lado pessoal.
Em todos os lugares há sempre, no mínimo, dois grupos.  Na política há os de direita e os de esquerda. Triste é quando, no clímax da discussão, se tenta denegrir o caráter dos simpatizantes de um deles. Na religião há os conservadores e os liberais. Deprimente é quando não se encontra o amor pregado por ambos, devido ao calor das controvérsias teológicas. Na profissão há sempre aqueles que manifestam um enorme desejo de reconhecimento e o impõe de forma exacerbada ou acham que são melhores que os outros, não esperando o reconhecimento chegar a bom tempo. Na Educação prega-se a tão desejada gestão democrática, mas parece que gestores e geridos estão sempre em pé de guerra. Alguns, não muito dados ao debate, preferem tomar sua canoa e manter-se no leito de um rio de frugalidade, à terceira margem. Quem sofre a consequência disso?
As redes sociais têm sido um verdadeiro ambiente de proliferação de malcriações, xingamentos, humor negro e tudo que, em uma sociedade madura, se discutiria somente com solidez de argumentos. Já paramos para pensar no motivo que levou aquele pai para a terceira margem do rio? Será que não havia “enchido o saco” com as incompreensões da família, as cobranças que lhe eram imputadas? Margem direita, margem esquerda ou terceira margem? Céu, inferno ou purgatório? Neste “mundão de meu Deus”, será que há lugar para se viver com suas próprias ideologias?

Francisco Fernandes
Fortaleza, 11 de junho de 2017

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