Matutar
com a cabeça
Matutar
com a cabeça parece ser redundante, mas se analisarmos o contexto em que a
expressão foi aplicada, veremos que faz um grande sentido.
Matutar
significa refletir sobre alguma coisa de maneira demorada, pensar. Etimologicamente
origina-se da palavra matuto, provavelmente referindo-se a sua sabedoria
informal, conhecimento de mundo.
Nas
avaliações do primeiro bimestre deste ano, fiquei na responsabilidade de
aplicar as provas de matemática a uma determinada turma de alunos fora de faixa
etária. A professora da referida disciplina determinou que os alunos não
deveriam utilizar calculadora, inclusive dos celulares. Com um olhar
perscrutador, característicos dos exímios aplicadores, observei um movimento
curioso de um dos alunos avaliados. Aproximei-me e, surpreendentemente,
encontrei-o de posse a uma tradicional tabuada, daquelas que apresentam a
imagem de uma professora direcionada a uma aluna, apontando com uma varinha,
para um cálculo matemático, lembram?
Rubião
era um aluno daqueles calados que ocupavam os últimos lugares da sala; bem mais
velho que os demais; carrancudo; vestido de forma bem distinta dos outros
colegas, pois lhe agradava usar camisas de mangas compridas; respondão, que só
ele! Tinha características de um jovem bem interiorano e já havia ido para a
ocorrência várias vezes. Dessa vez não era caso de ocorrência, pois tinha uma
certa razão quando o interpelei: “Rubião, usando uma tabuada para resolver os
cálculos, que é isso?” Respondeu: “E o que é que tem? A professora disse pra
não usar calculadora ou celular, tô usando tabuada!”. De certa forma estava
certo, mas... “Quando ela diz que não é pra usá-los, é porque quer que você
faça os cálculos de cabeça, entendeu?” Inusitadamente, respondeu: “Oxente! e
tem que matutar com a cabeça, é?
Teria
ele razão? No mundo tecnológico e digital em que vivemos, há alguém que ainda
“matuta com a cabeça”? Será que a maioria dos problemas que nos são acometidos
hoje, não seriam por falta de “matutar com a cabeça? Sou de um tempo em que
para fazer uma pesquisa escolar era necessário revirar a biblioteca e mergulhar
nas mais tradicionais enciclopédias, estimulando assim, várias competências
cognitivas. Para escrever algo, não contávamos com corretores automáticos,
muito menos pesquisas instantâneas, Google, por exemplo. Tínhamos que ter um
arsenal de dicionários, gramáticas, isso sem contar com o subsídio das muitas
leituras clássicas, que são imprescindíveis para o acervo lexical. Tínhamos que
“matutar com a cabeça”!
Os
nossos alunos descobriram a tecnologia e isso seria excelente, se não negligenciassem
a leitura. Deveriam, porém, usar aquela, sem omitir esta. A tecnologia veio
para ficar, mas o cheiro do livro, a paz da biblioteca... são insubstituíveis!
Observamos que o mau uso das tecnologias, das redes sociais, têm cambiado,
inclusive, a estrutura do corpo humano. Este agora se divide em: cabeça,
tronco, membro e celular. O aparelho já é uma extensão do corpo, pois é
impossível viver sem ele! Caro Rubião! É necessário, urgentemente, voltar a
“matutar com a cabeça”!
Atentemos
agora para o lado negativo do “matutar com a cabeça”, pois, impressionantemente,
nossos políticos contemporâneos, no afã de juntarem os seus bilhões de
propinas, não têm seguido o exemplo das velhas raposas da política, “matutar
com a cabeça”. A lava-jato está pegando a todos, mas não alcança os mais
antigos. A tecnologia deixou os afoitos mais vulneráveis, visto que vez ou
outra, vaza um áudio, um vídeo... não sabemos se por falta de instruções
tecnológicas ou se é porque estão tentando encher a “medida do ter”, que,
segundo o adágio popular, nunca enche. Os mais antigos, não! Estes sabiam “matutar
com a cabeça” As marcas da sua corrupção se tornaram indeléveis, infelizmente. Neste
contexto, definitivamente, meu caro Rubião, não é bom que eles aprendam a
“matutar com a cabeça”. É preferível que eles se abestalhem e continuem
escorregando nas suas próprias lamas.
Fortaleza, 04 de junho de 2017
Maravilhoso!
ResponderExcluirObrigado, amor! Seus comentários são suspeitos! kkk
ExcluirMaravilhoso!da irmã vale?🤗😘
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirParabéns pelo excelente texto.
ExcluirValeu meu coordenador! Ainda bem que gostou.
ExcluirTexto excelente que nos propicia uma leitura gostosa e até cômica ao relembrarmos as espertezas do protagonista.
ResponderExcluirParabéns!!!
Pois é, Rafaela! Protagonistas para crônicas é só o que temos, né? kkk
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