Que
saudade dos pepinos...!
O
dia amanheceu. Ela, cansada ainda da maratona de aulas do dia anterior, levanta
rejuvenescida, capacidade sobrenatural que é dada a todos os professores, e
abre sua Bíblia no capitulo 11 do livro de Números. O texto bíblico fala da
saudade que os filhos de Israel tiveram dos pepinos, dos melões, das cebolas,
dos alhos que comiam no cativeiro do Egito. Faz a sua oração matinal, toma seu
desjejum habitual e sai para a assembleia na câmara dos vereadores de sua
cidade, onde decidiriam o reajuste salarial tão esperado e prometido em
campanhas eleitorais. Naquela plenária estava a esperança de melhorar o seu tão
sofrido salário, que não é condizente com o importante papel que desempenha na
sociedade. A multidão de professores em frente à câmara está em polvorosa. O
presidente do sindicato, muito confiante, animava o grupo com a certeza de que
suas reivindicações seriam aceitas pelos legisladores de seu município.
O
presidente da câmara abre a sessão, lê a pauta para a reunião do dia, onde se
inclui a tão esperada proposta de reajuste salarial a ser apreciada pelos
vereadores. Tudo transcorre sem nenhum problema, até que, o inesperado
acontece! A proposta salarial ofertada pelo executivo foi somente de um mísero
6%. A professora, estropiada das oito aulas que lecionara no dia anterior,
chora copiosamente, e amargurada por tão grande decepção é remetida ao texto
bíblico que houvera lido logo pela manhã – Os filhos de Israel sentiram
saudades dos pepinos, dos melões, das cebolas, dos alhos que comiam no
cativeiro do Egito. Estavam livres dos egípcios, mas a sua fé não era
suficiente para garantir que seriam sustentados naquele deserto, até que
chegassem à terra prometida. Estamos vivendo um verdadeiro deserto. Pedimos
tanto a libertação do antigo governo, mas nunca pensei que sentiria saudades
dos pepinos, dos melões, quero dizer, dos laranjas do nosso ex-prefeito –
Refletiu.
Ela
é professora há 25 anos. Formada em Letras e com duas pós-graduações, uma em
literatura e outra em linguística, sem contar com os inúmeros cursos de
formação, elaboração de itens do SPAECE e ENEM, formação para professores de
redação para o ENEM, Profa, Pró-Letramento e os muitos curso em toda sua
extensa carreira. Foi isso que a revoltou, pois um excelentíssimo vereador, um
desses com um pseudônimo parecido com “Tiririca”, provavelmente analfabeto,
soltou a seguinte pérola: “Vocês querem ganhar mais do que um médico?”. Talvez
ele não se lembre de certo legislador que encerrou sua curta carreira política,
quando, em uma dessas reuniões, mandou algumas professoras irem para detrás de
seus fogões. Estão lembrados?
“É,
senhor vereador! Queremos sim, ganhar tão bem ou até mais que um médico, pois
eles passaram e passam por nossas mãos. Você não sabe a importância de um
professor porque não precisou de um para pleitear sua vaga no legislativo.
Talvez precise muito mais de um médico! Não se esqueça de que é melhor prevenir
que remediar, e a melhor forma de fazê-lo é por meio da educação.” Pensou a
professora.
Voltou
para casa, triste, mas de nenhuma forma derrotada, pois logo foi revigorada
pela lembrança de sua labuta nos muitos anos de sala de aula, que, certamente,
lhe tem rendido muito mais frutos. Estes, não são os laranjas políticos, não
são os pepinos do Egito, nem muito menos as alfarrobas dos porcos (propinas),
mas umas ou outras vidas frutíferas que conseguem florescer, por meio da
educação, nesse deserto de corrupção.
Francisco Fernandes
Francisco seus textos são incríveis!!! Que honra trabalhar com alguém tão talentoso.. Parabéns mesmo
ResponderExcluirA honra é minha, amiga Naiara!
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