domingo, 25 de setembro de 2016

Que saudade dos pepinos...!

O dia amanheceu. Ela, cansada ainda da maratona de aulas do dia anterior, levanta rejuvenescida, capacidade sobrenatural que é dada a todos os professores, e abre sua Bíblia no capitulo 11 do livro de Números. O texto bíblico fala da saudade que os filhos de Israel tiveram dos pepinos, dos melões, das cebolas, dos alhos que comiam no cativeiro do Egito. Faz a sua oração matinal, toma seu desjejum habitual e sai para a assembleia na câmara dos vereadores de sua cidade, onde decidiriam o reajuste salarial tão esperado e prometido em campanhas eleitorais. Naquela plenária estava a esperança de melhorar o seu tão sofrido salário, que não é condizente com o importante papel que desempenha na sociedade. A multidão de professores em frente à câmara está em polvorosa. O presidente do sindicato, muito confiante, animava o grupo com a certeza de que suas reivindicações seriam aceitas pelos legisladores de seu município.
O presidente da câmara abre a sessão, lê a pauta para a reunião do dia, onde se inclui a tão esperada proposta de reajuste salarial a ser apreciada pelos vereadores. Tudo transcorre sem nenhum problema, até que, o inesperado acontece! A proposta salarial ofertada pelo executivo foi somente de um mísero 6%. A professora, estropiada das oito aulas que lecionara no dia anterior, chora copiosamente, e amargurada por tão grande decepção é remetida ao texto bíblico que houvera lido logo pela manhã – Os filhos de Israel sentiram saudades dos pepinos, dos melões, das cebolas, dos alhos que comiam no cativeiro do Egito. Estavam livres dos egípcios, mas a sua fé não era suficiente para garantir que seriam sustentados naquele deserto, até que chegassem à terra prometida. Estamos vivendo um verdadeiro deserto. Pedimos tanto a libertação do antigo governo, mas nunca pensei que sentiria saudades dos pepinos, dos melões, quero dizer, dos laranjas do nosso ex-prefeito – Refletiu.
Ela é professora há 25 anos. Formada em Letras e com duas pós-graduações, uma em literatura e outra em linguística, sem contar com os inúmeros cursos de formação, elaboração de itens do SPAECE e ENEM, formação para professores de redação para o ENEM, Profa, Pró-Letramento e os muitos curso em toda sua extensa carreira. Foi isso que a revoltou, pois um excelentíssimo vereador, um desses com um pseudônimo parecido com “Tiririca”, provavelmente analfabeto, soltou a seguinte pérola: “Vocês querem ganhar mais do que um médico?”. Talvez ele não se lembre de certo legislador que encerrou sua curta carreira política, quando, em uma dessas reuniões, mandou algumas professoras irem para detrás de seus fogões. Estão lembrados?
“É, senhor vereador! Queremos sim, ganhar tão bem ou até mais que um médico, pois eles passaram e passam por nossas mãos. Você não sabe a importância de um professor porque não precisou de um para pleitear sua vaga no legislativo. Talvez precise muito mais de um médico! Não se esqueça de que é melhor prevenir que remediar, e a melhor forma de fazê-lo é por meio da educação.” Pensou a professora.
Voltou para casa, triste, mas de nenhuma forma derrotada, pois logo foi revigorada pela lembrança de sua labuta nos muitos anos de sala de aula, que, certamente, lhe tem rendido muito mais frutos. Estes, não são os laranjas políticos, não são os pepinos do Egito, nem muito menos as alfarrobas dos porcos (propinas), mas umas ou outras vidas frutíferas que conseguem florescer, por meio da educação, nesse deserto de corrupção.

Francisco Fernandes

2 comentários:

  1. Francisco seus textos são incríveis!!! Que honra trabalhar com alguém tão talentoso.. Parabéns mesmo

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