sábado, 24 de setembro de 2016

Um Apólogo*

As árvores queriam um líder, urgentemente! Reuniram-se em conselho, lançaram edital, pesquisaram nas famílias mais abastadas da floresta e a ninguém encontravam que preenchesse os requisitos requeridos pelo grande conselho.
Talvez fosse uma utopia, mas as árvores queriam realmente um representante que governasse sobre elas honestamente, que não se comprometesse com os grupos empresariais; com aqueles que detêm o tráfico de influência; ou com as oligarquias formadas pelas famílias “nobres” como os Laranjas, os Limas, os Peras...
Os conselheiros da floresta saíram em busca de um governante que preenchesse as necessidades de tão importante cargo. Naquele tempo a nobreza da função política estava na possibilidade de servir a seus liderados, não em tirar benefícios próprios. Era honroso o atributo da humildade, em detrimento à jactância do poder, hoje.
Convidaram um representante da família Videira, especialista na produção do melhor vinho da região. Satisfazia-se em proporcionar a alegria dos povos e em aquecê-los nas noites frias de inverno, pois essa iguaria não poderia deixar de ser produzida em troca do serviço público, haja vista seu néctar ser algo muito sublime. “Agradecida por tão honroso convite, mas não posso deixar meus atributos para governar sobre vós”.
Não poderiam deixar de convidar um dos membros da família Oliveira para governá-las, considerando a sua destreza em produzir, de suas azeitonas, o mais refinados de todos os azeites. Este, muito útil como combustível para as lâmpadas; excelentíssimo na purificação de ferimentos; e finíssimo para a mistura do trigo, na produção dos mais saborosos pães. “Não será possível deixar tão importante atribuição, para exaurir-me no serviço político”.
A última alternativa era apelar para alguém da família Figueira. Ela teria muitos atributos para ser uma espetacular chefa de governo. Produz frutos saborosíssimos e, além disso, os seus pomos proporcionam os mais saborosos doces. Os afáveis produtos da figueira adoçam a vida de nobres e plebeus. Quem não gosta de saborear um dulcificado manjar de sobremesa? “Não! Sinto prazer em servir a todos com o meu mélico fruto. Não posso ausentar-me de minhas funções, para liderar as árvores”.
Incrível! Quando aqueles que podem oferecer seus serviços em prol do coletivo se negam, aparecem os aproveitadores. Estes se disponibilizam aos cargos sem atributos a ofertar, pois intencionam somente beneficiar-se da posição pública. Como não surgiu um candidato competente, o Espinheiro ofereceu-se para liderar todas as árvores e as ameaçou de lançar seus espinhos, sufocá-las enroscando os tentáculos espinhosos em seus caules, causando-lhes a morte, caso não o reconhecessem como seu potentado.
A classe política brasileira é muito bem tipificada por esse espinheiro. Nós, simples cidadãos, nos sentimos sufocados pela corrupção e incapacitados de recusá-los como líderes, pois seus espinhos eleitoreiros estão fincados na cultura política da nossa nação. Líderes em potencial, honestos, capazes, de condutas ilibadas, parecem não ter coragem de assumir cargos políticos, pois temem emaranhar-se nas teias da desonestidade, um sistema que insiste em se perpetuar como especialista no cárcere das consciências.  Ad retro.

Francisco Fernandes
*Paráfrase do Apólogo de Jotão (Juízes 9.7-15)




 

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