Um
Apólogo*
As
árvores queriam um líder, urgentemente! Reuniram-se em conselho, lançaram edital,
pesquisaram nas famílias mais abastadas da floresta e a ninguém encontravam que
preenchesse os requisitos requeridos pelo grande conselho.
Talvez
fosse uma utopia, mas as árvores queriam realmente um representante que
governasse sobre elas honestamente, que não se comprometesse com os grupos
empresariais; com aqueles que detêm o tráfico de influência; ou com as
oligarquias formadas pelas famílias “nobres” como os Laranjas, os Limas, os
Peras...
Os
conselheiros da floresta saíram em busca de um governante que preenchesse as
necessidades de tão importante cargo. Naquele tempo a nobreza da função política
estava na possibilidade de servir a seus liderados, não em tirar benefícios
próprios. Era honroso o atributo da humildade, em detrimento à jactância do
poder, hoje.
Convidaram
um representante da família Videira, especialista na produção do melhor vinho
da região. Satisfazia-se em proporcionar a alegria dos povos e em aquecê-los
nas noites frias de inverno, pois essa iguaria não poderia deixar de ser
produzida em troca do serviço público, haja vista seu néctar ser algo muito
sublime. “Agradecida por tão honroso convite, mas não posso deixar meus
atributos para governar sobre vós”.
Não
poderiam deixar de convidar um dos membros da família Oliveira para
governá-las, considerando a sua destreza em produzir, de suas azeitonas, o mais
refinados de todos os azeites. Este, muito útil como combustível para as
lâmpadas; excelentíssimo na purificação de ferimentos; e finíssimo para a
mistura do trigo, na produção dos mais saborosos pães. “Não será possível
deixar tão importante atribuição, para exaurir-me no serviço político”.
A
última alternativa era apelar para alguém da família Figueira. Ela teria muitos
atributos para ser uma espetacular chefa de governo. Produz frutos
saborosíssimos e, além disso, os seus pomos proporcionam os mais saborosos
doces. Os afáveis produtos da figueira adoçam a vida de nobres e plebeus. Quem
não gosta de saborear um dulcificado manjar de sobremesa? “Não! Sinto prazer em
servir a todos com o meu mélico fruto. Não posso ausentar-me de minhas funções,
para liderar as árvores”.
Incrível!
Quando aqueles que podem oferecer seus serviços em prol do coletivo se negam,
aparecem os aproveitadores. Estes se disponibilizam aos cargos sem atributos a
ofertar, pois intencionam somente beneficiar-se da posição pública. Como não
surgiu um candidato competente, o Espinheiro ofereceu-se para liderar todas as
árvores e as ameaçou de lançar seus espinhos, sufocá-las enroscando os
tentáculos espinhosos em seus caules, causando-lhes a morte, caso não o
reconhecessem como seu potentado.
A
classe política brasileira é muito bem tipificada por esse espinheiro. Nós,
simples cidadãos, nos sentimos sufocados pela corrupção e incapacitados de
recusá-los como líderes, pois seus espinhos eleitoreiros estão fincados na
cultura política da nossa nação. Líderes em potencial, honestos, capazes, de
condutas ilibadas, parecem não ter coragem de assumir cargos políticos, pois
temem emaranhar-se nas teias da desonestidade, um sistema que insiste em se
perpetuar como especialista no cárcere das consciências. Ad retro.
Francisco Fernandes
*Paráfrase do Apólogo de Jotão (Juízes 9.7-15)
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