O
Pê da questão
Há muito, muito tempo, em uma terra distante, havia um aprazível povoado
ao pé de uma grande serra, onde o clima não era muito quente como no sertão
nordestino, em que há falta d’água; nem muito frio como nos invernos europeus,
onde a geada queima as plantinhas. Era um clima próprio para o plantio de
feijão, pois a quantidade certa de chuva era suficiente para regar as raminhas,
e os raios suaves de sol, necessários para secá-las. O vento tranquilo daquele
local facilitava que os polens voassem de uma plantinha a outra, fazendo que
germinassem e produzissem uma boa safra.
A facilidade que existia para se obter bons grãos não era a mesma quando
se tratava da eleição de seus representantes, pois havia uma grande dificuldade
na organização dos candidatos nos períodos eleitorais. Uns achavam que deveriam
ser escolhidos representantes de somente dois grupos, como há em alguns reinos,
daqueles que costumam dominar o terceiro mundo; mas outros já pensavam que o
número de grupos poderia ser ilimitado, deixando o povo eleger o que fosse
melhor para eles.
As muitas insistências dos representantes comunitários da cidade, das
associações de plantadores de feijão e demais grupos organizados, não foram
suficientes para convencer os líderes políticos do local em decidir a correta
forma de administração partidária.
Foi aí onde surgiu a “impoluta” figura do “salvador da pátria”, Demagogus
Júnior, que resolveria o grande impasse político. Era filho do grande líder,
Demagogus, peça fundamental na emancipação do município, que havia legado a seu
filho toda a tradição e postura política que lhe são características. Demagogus
resolveu solucionar o problema buscando ajuda a uma velha senhora, famosa por suas
porções mágicas e por ter resolvido muitos outros problemas dessa natureza.
Dona Grecorromânia era uma senhora idosa. Morava em um casebre muito
simples, bem no pezinho da serra. Era uma experiente fazedora de porções
mágicas e uma grande conhecedora de todas as ervas e plantas medicinais.
Procurada pelos camponeses, sempre buscava uma solução simples para resolver os
problemas desse povo honesto e trabalhador.
_ Ô de dentro! _ Pergunta Demagogus, batendo na porta de Dona Grecorromânia.
_ Ô de fora! _ Ela respondeu, já se levantando para abrir a porta.
Demagogus entrou ligeiramente na humilde casa da velhinha, e esta, logo
iniciou o interrogatório:
_ O que um jovem de tão nobre estirpe deseja dessa velha mulher, que
somente conhece os mistérios das plantas e dos bichos do mato?
_ Desejo uma ajuda para solucionar um problema em nossa comunidade. Não
sabemos como organizar as ideologias políticas de nossa região. Há muitos
pensamentos distintos e as pessoas que pretendem assumir cargos eletivos não
sabem como ou a quem se associar. São democratas, republicanos, monarquistas,
presidencialistas, parlamentaristas, socialistas, anarquistas, liberais etc. É
uma grande celeuma ideológica, sem organização e sem poder de convencimento a
seus futuros correligionários. Qual a solução?
_ Muito bem! _ Disse Dona Grecorromânia. _ Pegue este saquinho com
feijões, eles são mágicos, plante-os na entrada da porta da casa de cada líder,
e, certamente, terá uma resposta imediata.
Demagogus não perdeu tempo. Antes que o dia amanhecesse, correu à frente
das casas, ao pé das portas, e plantou os feijões mágicos.
O Senhor Comunista já acordou proferindo suas ideologias:
_ PPePlo PuPso PcoPmum Pdos Pmeios Pde PproPduPção Pe Pde
PtroPca, PpePla PsuPpresPsão Pdas PclasPses PsoPciPais Pe PexPtinPção Pdo PesPtaPdo! PCdoB, PCB... _ Tentava se
explicar, mas ninguém conseguia compreender. A aliteração do fonema P impedia a
comunicação.
_ PGoPverPno Pdo PpoPvo, PpaPra
Po PpoPvo, PpePlo
PpoPvo! PSD, PDT... _ Bradava Dr. Democrata, sem também ser
compreendido.
O seu primo o Rev. Democrata-cristão, convicto de seus ideais, acordou um
pouco mais tarde e não compreendia nem mesmo o que falava. Ficou atônito, pois
se achava o mais seguro na defesa de suas ideologias. Reverberava em vão:
_ POs PiPdePais PdePmoPcráPtiPcos Pnão PpoPdem Pser PdisPsoPciPaPdos Pdos PprinPcíPpios
PcrisPtãos! PDC, PSDC...
_ PLiPberPdaPde Pao PinPdiPvíPduo! PMePnos PpoPdePres Pao PEsPtaPdo,
Pmais PpoPder Pao PpriPvaPdo! PSDB, PMDB_ Vibravam os irmãos Neo
e Liberal.
Foi um verdadeiro pandemônio naquela pequena vila. Os curiosos corriam
para ouvir a nova língua daqueles políticos e especialistas fizeram estudos
para saber a sua origem. As crianças, matreiras como são, tentavam aprender o
novo idioma.
As famílias abastadas ficaram abestalhadas,
sem saber o que fazer. Procuraram os melhores médicos, curandeiros, bruxos,
feiticeiros. Gastaram quase todas as suas posses, mas não conseguiram resposta
para aquele mal que os acometia. O alento para todo esse problema era a certeza
que, quando assumissem os futuros cargos políticos, teriam seus valores de
volta, muitas vezes mais. Enfim, Demagogus resolveu retirar o feitiço da velha
cachimbeira, voltando tudo quase ao normal.
Ele alcançou seu objetivo. Criaram-se vários grupos chamados de partidos.
Os partidaristas, agora “organizados”, seguiram pregando suas ideologias, mas
continuaram sem ser entendidos por seus concidadãos. O bom de tudo isso foi a
nova brincadeira que as crianças da região aprenderam e difundiram por todo o mundo.
A língua do P.
Francisco Fernandes