quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O da questão

Há muito, muito tempo, em uma terra distante, havia um aprazível povoado ao pé de uma grande serra, onde o clima não era muito quente como no sertão nordestino, em que há falta d’água; nem muito frio como nos invernos europeus, onde a geada queima as plantinhas. Era um clima próprio para o plantio de feijão, pois a quantidade certa de chuva era suficiente para regar as raminhas, e os raios suaves de sol, necessários para secá-las. O vento tranquilo daquele local facilitava que os polens voassem de uma plantinha a outra, fazendo que germinassem e produzissem uma boa safra.
A facilidade que existia para se obter bons grãos não era a mesma quando se tratava da eleição de seus representantes, pois havia uma grande dificuldade na organização dos candidatos nos períodos eleitorais. Uns achavam que deveriam ser escolhidos representantes de somente dois grupos, como há em alguns reinos, daqueles que costumam dominar o terceiro mundo; mas outros já pensavam que o número de grupos poderia ser ilimitado, deixando o povo eleger o que fosse melhor para eles. 
As muitas insistências dos representantes comunitários da cidade, das associações de plantadores de feijão e demais grupos organizados, não foram suficientes para convencer os líderes políticos do local em decidir a correta forma de administração partidária.
Foi aí onde surgiu a “impoluta” figura do “salvador da pátria”, Demagogus Júnior, que resolveria o grande impasse político. Era filho do grande líder, Demagogus, peça fundamental na emancipação do município, que havia legado a seu filho toda a tradição e postura política que lhe são características. Demagogus resolveu solucionar o problema buscando ajuda a uma velha senhora, famosa por suas porções mágicas e por ter resolvido muitos outros problemas dessa natureza.
Dona Grecorromânia era uma senhora idosa. Morava em um casebre muito simples, bem no pezinho da serra. Era uma experiente fazedora de porções mágicas e uma grande conhecedora de todas as ervas e plantas medicinais. Procurada pelos camponeses, sempre buscava uma solução simples para resolver os problemas desse povo honesto e trabalhador.
_ Ô de dentro! _ Pergunta Demagogus, batendo na porta de Dona Grecorromânia.
_ Ô de fora! _ Ela respondeu, já se levantando para abrir a porta.
Demagogus entrou ligeiramente na humilde casa da velhinha, e esta, logo iniciou o interrogatório:
_ O que um jovem de tão nobre estirpe deseja dessa velha mulher, que somente conhece os mistérios das plantas e dos bichos do mato?
_ Desejo uma ajuda para solucionar um problema em nossa comunidade. Não sabemos como organizar as ideologias políticas de nossa região. Há muitos pensamentos distintos e as pessoas que pretendem assumir cargos eletivos não sabem como ou a quem se associar. São democratas, republicanos, monarquistas, presidencialistas, parlamentaristas, socialistas, anarquistas, liberais etc. É uma grande celeuma ideológica, sem organização e sem poder de convencimento a seus futuros correligionários. Qual a solução?   
_ Muito bem! _ Disse Dona Grecorromânia. _ Pegue este saquinho com feijões, eles são mágicos, plante-os na entrada da porta da casa de cada líder, e, certamente, terá uma resposta imediata.
Demagogus não perdeu tempo. Antes que o dia amanhecesse, correu à frente das casas, ao pé das portas, e plantou os feijões mágicos.
O Senhor Comunista já acordou proferindo suas ideologias:
_ PPePlo PuPso PcoPmum Pdos Pmeios Pde PproPduPção Pe Pde PtroPca, PpePla PsuPpresPsão Pdas PclasPses PsoPciPais Pe PexPtinPção Pdo PesPtaPdo! PCdoB, PCB... _ Tentava se explicar, mas ninguém conseguia compreender. A aliteração do fonema P impedia a comunicação.
_ PGoPverPno Pdo PpoPvo, PpaPra Po PpoPvo, PpePlo PpoPvo! PSD, PDT... _ Bradava Dr. Democrata, sem também ser compreendido.
O seu primo o Rev. Democrata-cristão, convicto de seus ideais, acordou um pouco mais tarde e não compreendia nem mesmo o que falava. Ficou atônito, pois se achava o mais seguro na defesa de suas ideologias. Reverberava em vão:
_ POs PiPdePais PdePmoPcráPtiPcos Pnão PpoPdem Pser PdisPsoPciPaPdos Pdos PprinPPpios PcrisPtãos! PDC, PSDC...
_ PLiPberPdaPde Pao PinPdiPPduo! PMePnos PpoPdePres Pao PEsPtaPdo, Pmais PpoPder Pao PpriPvaPdo! PSDB, PMDB_ Vibravam os irmãos Neo e Liberal.
Foi um verdadeiro pandemônio naquela pequena vila. Os curiosos corriam para ouvir a nova língua daqueles políticos e especialistas fizeram estudos para saber a sua origem. As crianças, matreiras como são, tentavam aprender o novo idioma.
As famílias abastadas ficaram abestalhadas, sem saber o que fazer. Procuraram os melhores médicos, curandeiros, bruxos, feiticeiros. Gastaram quase todas as suas posses, mas não conseguiram resposta para aquele mal que os acometia. O alento para todo esse problema era a certeza que, quando assumissem os futuros cargos políticos, teriam seus valores de volta, muitas vezes mais. Enfim, Demagogus resolveu retirar o feitiço da velha cachimbeira, voltando tudo quase ao normal.
Ele alcançou seu objetivo. Criaram-se vários grupos chamados de partidos. Os partidaristas, agora “organizados”, seguiram pregando suas ideologias, mas continuaram sem ser entendidos por seus concidadãos. O bom de tudo isso foi a nova brincadeira que as crianças da região aprenderam e difundiram por todo o mundo. A língua do P.


Francisco Fernandes

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