sábado, 11 de novembro de 2017

Falsos Amigos

Em um contexto político, Falsos Amigos seriam os membros daquela raça ignóbil, que de quatro em quatro anos passeiam nos terreiros eleitorais para, mentindo, conquistar votos. Falsos Amigos pode ser também o sinônimo de palavras que até são semelhantes, mas, no entanto, significam outra coisa aqui no Brasil.
Se você for para um restaurante em um país de língua espanhola e chamar um “camareiro”, não estará chamando uma pessoa para arrumar sua cama, mas um garçom. Não peça um copo com água, peça um “vaso”, pois “en una copa” você deverá tomar um bom vinho e, “en una taza”, um saboroso café. Se quiser elogiar um prato, poderá dizer, sem medo, que está “muy exquisito”. Não se preocupe, não estará dizendo que está estranho, mas que está saborosíssimo.  Após a refeição não comerá uma sobremesa e sim, “un postre”, pois “sobremesa” é o bom papo que os comensais batem após saborear uma boa receita. Deverá ter muito cuidado com os Falsos Amigos, pois eles poderão criar sérios constrangimentos. Quando eles dizem que, sendo eleitos, resolverão os problemas sociais das crianças, podem estar referindo-se aos seus próprios filhos. Se dizem que solucionarão os problemas de moradia, podem estar pensando em como comprar sua mansão em Orlando - Flórida, ou em um paraíso caribenho. Cuidado com os Falsos Amigos!
Um colega, professor de espanhol do Centro de Línguas de Maracanaú, perguntou a um aluno de primeiro semestre onde se localizava La Paz. Ele respondeu muito carinhosamente: “¡La paz está en mi corazón, profe! Gostaríamos que nosso país vivesse a paz tão desejada, em todos os sentidos, mas ela foi surrupiada pelos larápios, Falsos Amigos, que deixaram de investir, principalmente na Educação e na Segurança Pública. Bem-aventurados aqueles que alcançam a verdadeira paz, a paz no coração!
Para nós, professores de espanhol, são muitas as situações inusitadas com os tais Falsos Amigos. Falava em uma aula com iniciantes que borracha em espanhol se diz “goma”. Um gaiato não hesitou em perguntar: Professor, se borracha é goma, como se faz tapioca na Espanha? No mesmo nível de humor, característico dos cearenses, um outro fez a seguinte interrogação: Profe, se menino é “niño”, como é leite em pó em espanhol? Essas são as confusões que há e que os alunos, graciosa e inconscientemente, utilizam como estratégia de aprendizagem. Os argentinos chamam de “quilombo”, os espanhóis chamam de “lío”, para nós pode ser embaraço. Cuidado! “Embarazo” em língua espanhola é gravidez. Será por isso que aqui no Ceará “um bucho” pode significar problema, confusão? Mas confusão mesmo é o que está ocorrendo na Catalunha - Espanha, com o secular movimento independentista que estourou nos últimos dias e, por incrível que pareça, vem incentivando o Sul do nosso país a falar também em referendum, para “alejarse” do Brasil. Opa! Mais um falso amigo, pois tal vocábulo significa, distanciar-se. Bem significativo, uma vez que aleijados mentais, falsos irmãos e Falsos Amigos são aqueles que se acham superiores ao restante dos brasileiros. Imaginem se o Nordeste se tornasse um país independente! Como viveriam os demais, sem nosso humor, nossa música, nossa literatura, nossas belezas naturais...?  
Francisco Fernandes

Jaguaribe, 12 de outubro de 2017

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Dindim Gourmet (continuação)

A aurora surge ainda com maior intensidade e o crepúsculo acontece com muito mais beleza, na cidade que já não é mais tão singela. Tranquilidade continua sendo um de seus atributos e a autoestrada federal ainda continua no mesmo local. Rio e BR já não são mais os limites leste / oeste e aquele, que antes palmilhava seus 610 km diretamente ao mar, agora desagua no imenso lago artificial com capacidade para 6.700.000.000mᵌ (seis bilhões e setecentos milhões de metros cúbicos) de água, o Castanhão.  Já faz 24 anos que pus pela primeira vez os pés na cidade do queijo e os dois postos de combustível não são mais os limites norte / sul da sede municipal. O açude de Feiticeiro não mais se apresentará como um quebra-cabeça de barro rachado, pois o grande Orós transpõem suas águas ao imprescindível reservatório. O Cruzeirinho de Aluísio Diógenes tronou-se um bairro saneado, construído em regime de mutirão e o Mutirão é agora um grande bairro engendrado pelo êxodo rural, inevitável nas cidades crescentes, mas capaz de decidir uma eleição municipal. Aquele que, desembestado em sua caminhoneta Pampa, corria em direção à sua recém-inaugurada loja na esquina da 8 de Novembro com a Cônego Mourão, agora é o maior empregador da região e um dos grandes empreendedores do estado. Fez da Tuboarte uma das referências jaguaribanas.
Acabou a disputa entre o Clóvis e o Carmela, pois as escolas do estado, Cornélio, Raul e Sinó, se firmaram com excelência na formação cidadã e do Ensino Médio e os jovens, que antes não tinham acesso à universidade, agora podem trilhar o tão sonhado caminho do sucesso profissional, já não mais exclusividade dos mais abastados. As batatas fritas do Miquinho foram substituídas pelos sushis, os sanduiches, os açaís e o que é de mais atual para o paladar jaguaribano, mas nada supera as saudosas coxinhas do Morais, literalmente com um ossinho de galinha em lugar do palito. Dizem que o peculiar sabor era resultado de um tacho que nunca era lavado. Que importava? A alta temperatura do óleo consumia qualquer impureza. Oxalá houvesse um grande tacho desses em Brasília, para consumir toda a impudência dos coxinhas políticos.  É também inadmissível vir a Jaguaribe e não visitar a famosa barragem de Santana. Banhar-se nas águas que descem gravitacionalmente das suas inúmeras bicas é um prazer indescritível; e degustar o saboroso peixe frito do Barto, é uma obrigação.
Jaguaribe também entrou na era da automação, pois até universidade pública semipresencial faz parte do rol das instituições de formação. A UAB já tem formado dezenas de competentes profissionais. Foi ela a responsável pelo meu pioneirismo como professor de língua espanhola na região. “¡Pues así son las cosas de la vida de la gente!”. Mas há também desconforto com a tal tecnologia digital e o desenvolvimento, pois não se usufrui mais do confortável seletivo da Vale do Jaguaribe. As vagas para a capital são disponibilizadas por um portal online e os espaços tão apertados das poltronas só são adquiridos quando não são preenchidos no Cariri. Uma das coisas que pode confortar viagens tão desconfortáveis é uma agradável leitura deste veículo de comunicação, Arautos do Vale. Já na casa das octogésimas edições, que circulam mensalmente, pode proporcionar uma agradável e intelectual leitura do ócio e da informação. Colunistas como, Efigênia Alves, Osmar Negreiros e muitos outros que enriquecem este periódico, se esmeram na produção de riquíssimos textos, dignos da produção de uma obra literária a ser registrada nos anais culturais de Jaguaribe. Por tal iniciativa desbravadora, parabenizo Sandoli Diógenes, filho e filhas; por arvorarem essa bandeira da difusão jornalística.
Despeço-me de Jaguaribe, cônscio do aprendizado e da maturidade aqui adquiridos, agradecido pelos rebentos gerados neste torrão e guardando em minha memória a cultura do filé, do queijo, das famílias e das variações linguísticas tão peculiares, que sempre utilizarei como exemplo em minhas tão singelas aulas. A antiga “cafona” (nosso dindim gourmet), mesmo não podendo degustá-la por causa da diabetes, será sempre retomada nas salas de aula da vida. Valeu Jaguaribe!
Francisco Fernandes

Jaguaribe, 10 de setembro de 2017

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Dindim Gourmet

Jamais contemplei tão belo crepúsculo! A cidadezinha com características provincianas localiza-se entre uma autoestrada federal e a margem direita de um rio. A aurora se dá por trás de uma cordilheira de serras que divisa um estado de outro e o sol, vermelho como uma grande bola de fogo, se oculta do outro lado do rio. São, precisamente, 30 de novembro de 1993 e chego de uma grande metrópole para adaptar-me a uma cidadela de aproximadamente 30 mil habitantes, que se distribuem entre a sede do município e cinco distritos. A urbe se localiza entre os dois postos de combustível que estão nas duas extremidades, pois é uma faixa populacional espremida entre a citada BR e o famoso rio. As pequeninas casas do Cruzeirinho de Aluísio Diógenes, sem o mínimo de infraestrutura e saneamento básico, se difundem entre ruelas enlameadas e a esperança política de suas reconstruções em regime de mutirão. Na outra extremidade, na parte de cima da cidade, às margem do rio Jaguaribe, está o Curralinho, comunidade de uma rua só, sem iluminação elétrica e sem calçamento, onde a bodega de Juvenal puxa energia da fazenda de Zé de Mundim. O hospital de Zé Campelo concorre com o SESP e o Colégio Clóvis Beviláqua com o Carmela Dutra. Do outro lado da BR 116, para os lados de quem vai para o Icó, inicia-se um novo bairro, a vila Zé Pinheiro, e com o valor de um salário mínimo é possível adquirir um lote de terra que pode ser escolhido da beira da rodagem até a orilha do riacho da barragem de seu Dé. O point do momento é a lanchonete do Miquim, “Antes e Depois”, que está no calçadão do centro da cidade, onde tem a melhor batata frita já degustada e o artista Osmar Negreiros - como ele não existe para os lados de cá, quiçá em todo o vale do Jaguaribe - inicia suas obras de arte no paredão do parque de vaquejada. Como ainda não me adaptei a esta pacata vida interiorana, ansiosamente espero o final de semana para embarcar no “seletivo” da Empresa Vale do Jaguaribe. O ônibus é de luxo, com ar condicionado, TV com vídeo e rodomoça para servir lanches durante o longo trajeto de 300 km, rumo à Grande Fortaleza.
Ouvi dizer que é nesta região onde há uma das maiores desertificações do país. A caatinga, bioma não encontrado em nenhum outro lugar do planeta, somente no sertão nordestino, está sendo quase que completamente arrasada. Isso ocasiona um grande desequilíbrio ambiental e logo desaparecerão os preás e as aves de arribação que sobejam nas feiras de sábado. Essas iguarias sempre fizeram parte da mesa e da cultura do sertanejo, basta lembrar das narrativas de “O sertanejo”, “Os sertões”, “O quinze” e os inúmeros romances que contam a saga desse povo aguerrido. Não é à toa que o uso de nomes de animais dessa fauna alcunhem algumas famílias daqui. Para nós, forasteiros, pode até ser cômico, mas, na verdade, deveriam fazer parte do patrimônio imaterial dessa gente. Talvez os próprios membros dessas famílias se sintam envergonhados com o apodo, porém, tanto os Urubu, como os Caçote, os Gato, os Cururu, estarão sempre em qualquer registro futuro deste município. É estranho também para mim, quando me perguntam quantos “bichim” eu tenho e demorei pouco para entender que perguntam da minha prole. Respondo que chego aqui com uma “bichinha”, na certeza de que terei um lugar tranquilo e seguro para educá-la. Ambiente totalmente oposto da imagem negativa que me passaram, quando disse que iria morar em Jaguaribe, pois todos a denominavam de “terra da pistolagem”. Prefiro a insígnia “terra do queijo”.
Chego à sombra da minha esposa, que vem a trabalho e já sei, devido à minha insignificância, que serei chamado de Francisco de Alcinete, pois essa peculiaridade da região muito me encanta e não vejo algum demérito nisso. São muitos os populares que recebem no nome a marca indelével de um ente próximo, seja pai ou mãe, marido ou mulher: Maria de Zé Albenes, Maria da Cabocla, Zezim de Eli, Maria de Marcelo, Toim de Zé Olímpio, Paulo de Netim, Dedé de João do Óleo etc. Bem aventurado aquele que traz no seu nome a lembrança de pessoas respeitadas, queridas, amadas.
Estranho um pouco, mas somente em Jaguaribe conheci uma das variações linguísticas mais exóticas da Língua Portuguesa e não adianta pensar de forma pejorativa, quando te convidarem para chupar uma “cafona”. Dê uma mordida na ponta ou no fundo do saco e se delicie com o prazeroso sabor desse manjar, que futuramente será chamado de dindim gourmet.
25 anos depois... aguarde na próxima edição.   
    
Francisco Fernandes

Jaguaribe, 16 de julho de 2017

sábado, 22 de julho de 2017


Quarteto Fantástico

Aos dois meses de idade foi acometido de uma febre acima de 40°, com muita tosse e olhos inflamados. Não demorou muito para perceberem pequenos pontos brancos no interior de sua boca e, não muito depois, apareceu uma mancha vermelha e plana, iniciando no seu rosto e espalhando para o resto do corpo. Era sarampo! Não havia sido vacinado e a consequência foi a perda total da visão. Estava relegado ao descaso e a ser um estorvo para os seus familiares, pois precisaria de acompanhamento total na realização de atividades básicas, teria dificuldades para se locomover, não aprenderia a ler e escrever, não teria como brincar com os coleguinha de sua idade. Batizaram-no de Aderaldo e com o passar do tempo foi-lhe acrescentada a alcunha de Ceguinho.
Em outro lado da cidade, a mesma em que Aderaldo crescia excluído de qualquer participação social, vivia uma bela garota, um pouco distinta das demais de seu convívio, pois nascera com os olhos puxados, os dedos curtos e grossos, a cabeça arredondada, os cabelos finos, dentre outra características congênitas. Sua mãe tinha mais de 40 anos quando engravidou dela e, não fazendo o pré-natal, o seu nascimento foi uma surpresa para todos, inclusive gerando desconfiança sobre a sua paternidade, uma vez que não havia semelhança alguma com seus dois irmãozinhos. Distintamente de Aderaldo, Yori tinha um convívio familiar tranquilo, em que seu potencial para superar seus limites era devidamente estimulado. Recebeu um nome de origem japonesa que significa “dependência”, por causa das suas feições orientais e pela consciência materna de que dependeria dela para quase tudo.
Austin não se relacionava “tipicamente” com as outra crianças, não tinha amigos próximos, não olhava olho no olho, pois tinha deficiências na comunicação, prejuízos na interação social e comportamento repetitivo e restrito. Foi-lhe atribuído tal nome porque significa “sublime”, pois suas qualidades ultrapassariam o comum. Não se sabe realmente a causa de seu transtorno. Há a hipótese de herdabilidade, mas é quase descartada, já que não há sequer um caso no histórico familiar. Outra possibilidade seriam fatores ambientais como: stress, infecções, exposição a substâncias químicas, complicações durante a gravidez ou desequilíbrios metabólicos. Nada disso parece constar no relato clínico do casal. Resta somete a proposição genética. Não importa! Será amado e terá um cuidado todo especial.
Não se pode dizer o mesmo de Ismael. Os cuidados para com ele não foram muito bons e, ainda que tenha nascido em uma família abastada, passou a ser considerado como uma maldição, depois que descobriram que não conseguia reagir aos sons que o circundavam. O nome de origem hebraica significa “Deus ouve”, mas Ismael não ouvia, coincidência ou não! O pai, judeu praticante, acreditava ter sido castigado como foi o sacerdote Zacarias, pai do profeta João Batista, por não acreditar na gravidez tardia da esposa. Uma lástima! O castigo caiu sobre o filho, cria desta forma. A mãe teve rubéola quando estava grávida, provável causa da surdez congênita.
Um grande vilão assolava as nações com super poderes, até então, insuperáveis. Suas garras eram afiadas e penetrantes e os braços semelhantes a tentáculos com ventosas que, além de sugar as consciências, mantinham suas presas alienadas e totalmente incrédulas em relação à aceitação de alguém que não estivesse dentro dos padrões impostos por ele. Chamava-se Exclusão e dominava o mundo, até se revelar o quarteto fantástico: Aderaldo, Yori, Austin e Ismael.
Juntos formavam a força poderosa contra o inimigo. O primeiro criara meios e artifícios para se relacionar com sua deficiência, pois usava outros sentidos como o tato e a audição, valendo-se de aspectos subjetivos para perceber o mundo. Ela, devido à carga de estímulos e de amor recebidos dos pais, amigos e familiares, desenvolveu um grande potencial para superar limites, para acreditar em si mesma e para desenvolver autoconfiança. Componentes indispensável para romper um dos tentáculos do grande monstro. O outro, como foi bem estimulado e educado, tornou-se sumamente obediente e, graças a sua literalidade, passou a cumprir com gosto muitas disposições que, em outros casos, ocasionariam em rebeldia e desengano. Mais um ponto fraco da abominável anomalia foi atingido! Por fim, o último super-herói, que havia vencido o antagonismo da falta de comunicação e adquirido autonomia através da LIBRAS, agora estava pronto para aniquilar, juntamente com seus companheiros, as forças do temível oponente. Exclusão derrotada!!  

Homenagem aos componentes do AEE (alunos e professores) da EMEIEF Dep. José Martins Rodrigues, Maracanaú – CE.

Francisco Fernandes

Jaguaribe, 22 de julho de 2017

sábado, 24 de junho de 2017


Estocolmo

Estocolmo é a maior cidade da Suécia e a sede de seu governo. Figura como uma das cidades mais visitadas dos países nórdicos, com mais de um milhão de turistas internacionais por ano.  É citada como uma das cidades mais desejadas para habitação do mundo, por ser limpa, organizada e segura.
A famosa e bela cidade sueca dá nome a uma síndrome um tanto curiosa, Síndrome de Estocolmo. Recebe a designação por causa de um assalto ocorrido em um banco do seu centro comercial que durou de 23 a 28 de agosto de 1973. O curioso dessa ação criminosa é que não foram os requintes de crueldade ou os traumas pós-crime que a marcaram no cenário internacional, mas em as vítimas continuarem a defender seus raptores, inclusive nos processos judiciais que se seguiram.
A síndrome de Estocolmo é um estado psicológico em que uma vítima, submetida a um longo tempo de sequestro, passa a ter sentimentos de amor, de paixão, a seu sequestrador. Confesso aos meus leitores que sofro desse distúrbio psicológico, pois fui vítima de um sequestro e, de forma inexplicável, apaixonei-me pela minha algoz, minha sequestradora. É incrível como se pode gostar tanto de alguém que nos aprisiona, nos castiga, nos sufoca. Sou deverasmente alucinado por ela. Digo que vou esquecê-la, que vou tentar ocupar meu coração com algo mais rentável, que me valorize mais, que não me sufoque tanto, mas há sempre uma recaída, e vocês sabem que depois da briga a reconciliação é de um sabor indescritível, pois são nesses momentos de prazer que se olvida do descaso, da desvalorização, do desrespeito, das injustiças. Paixão é paixão!
Esse relacionamento conturbado, cheio de encontros e desencontros, se bem que ultimamente tem ocorrido muito mais desencontros, tem nos proporcionado muitos rebentos. São muitos os nossos frutos! Triste é quando se descobre que muitos de nossos filhos herdam as características negativa da sequestradora. São vitimados pelo descaso e falta de investimento no parceiro, em mim, para que proporcione melhores condições de serem cidadãos educados; investimento na nossa casa, para que eles tenham conforto, ambiente adequado para aprendizagem e para que se sintam com vontade de ficar, de não evadir. Não sei o que ela faz com tanto dinheiro! Acho que gasta com amantes, pois o dinheiro que consegue, vai ficando em outras atividades, certamente ilícitas, e quando chega aqui em casa, é uma merreca!
Mesmo com todos esses problemas que nos assolam desde sempre, tenho uns lampejos de alegria, de prazer, de dever cumprido; pois alguns de nossos frutos conseguem abstrair conhecimentos, transcender os obstáculos do descuro, da omissão, da negligência; alçar voos mais altos, tornando-se verdadeiros cidadãos. Acredito que é o que me mantem preso à minha sequestradora.
Às vezes penso que se não tivesse ido, quando ainda fazia faculdade, para aquele estágio obrigatório de Língua portuguesa, não teria sido sequestrado. Foi ali, naquela escola de Ensino Médio que ela prendeu meu coração, escravizou minha mente, seduziu-me por inteiro e até hoje me mantem cativo de seus encantos e confiante na sua reabilitação, na sua mudança. Continuamos aqui, eu e nossos filhos, esperando a sua transformação, bradando pelo seu verdadeiro amor. Meu nome é Professor.

Fortaleza, 24 de junho de 2017

Francisco Fernandes

sábado, 17 de junho de 2017

Do outro Lado

Deaf, até aproximadamente sete anos de idade, vivia em total silêncio, em que a possibilidade de comunicação era zero. Só conhecia a escuridão da noite e a luz do dia, e não sabia distinguir o que era passado ou futuro. Vivia em seu próprio isolamento e não entendia como as crianças da sua aldeia, da sua mesma idade, dirigindo-se umas às outras, conseguiam realizar as mesma ações, ser compreendidas. Brincavam nas matas; subiam nas árvores; criavam suas próprias regras, nas brincadeiras de grupo; gozavam da liberdade, segurança e tranquilidade daquele agradável reino. Para Deaf restava somente umas imagens distantes em seu subconsciente e muitas vezes sonhava com um mundo em que todos viviam harmoniosamente, e comunicavam-se através de sinais que envolviam a configuração das mãos, pontos de articulação, movimentos, direções e expressões facial/corporal. Tudo isso era muito nostálgico para ele, pois, mesmo sem ter noções de conceitos de sentimentos, era como se sentisse saudades daquele paraíso.
Naquele lugar apresentado no inconsciente imaginário do garoto, todos possuíam visão, olfato, paladar e tato. Não fazia falta um quinto sentido. Eram felizes e a comunicação entre eles era perfeita, pois tinham rapidez e naturalidade na exposição de seus sentimentos, desejos e necessidades. Tinham pensamento e cognição estruturados e eram fluentes na interação social. Não sabia como, mas Deaf anelava desesperadamente por essa dimensão onírica.
Um imenso lago separava os dois reinos. Do outro lado viviam aqueles que, não sabendo porquê, estavam marcados na memória do menino. Um povo diferente, de linguagem distinta, mas sem nenhum problema de comunicação. Era, terminantemente, proibida a entrada no lago, pois suas águas continham uma substância que apagava completamente a memória de quem mergulhasse em suas águas e os transportava para um lugar, até então, desconhecido.
Uma daquelas crianças, com ímpeto de curiosidade, mergulhou naquele lago. A consequência foi que, sem saber como, sem nenhuma lembrança e totalmente destituído de audição; surgiu como um indigente naquela aldeia. Mesmo vislumbrando alguns lampejos daquele saudoso mundo, era totalmente relegado de tudo e de todos, restando-lhe somente a caridade das boas pessoas, que lhe davam alimento, roupa e um cantinho para dormir. Vivia das vagas lembranças de seu reino, sem saber, sequer, da sua existência.
Em um belo dia de sol, passeando a esmo pelos campos daquela terra tão aprazível, teve uma visão extraordinária! Observou um grupo de jovens que se comunicavam através de sinais. Seriam eles habitantes daquele mundo que tão constantemente surgia em seus sonhos? Eram alegres e não emitindo som algum, mostravam não precisar de mais nada para serem iguais a qualquer outro. O garoto, que pensava ser único no mundo, encontrou seus pares e não teve dúvida alguma da semelhança que tinha com eles, exceto na utilização daquilo que não era simplesmente mímica ou gestos soltos, mas uma língua que possibilitava seus usuários a discutir filosofia ou política, a produzir poemas, a expressar sentimentos etc.
É característico do homem, desbravar novos mundos, enfrentar novas aventuras, abandonar o senso comum. Vez ou outra os habitantes do outro lado enfrentavam aquela travessia no afã de novas descobertas e surgiam em um lugar onde eram estimulados a ver o mundo de uma forma totalmente diferente da ótica de mundo dos ouvintes. Deaf não sabia como seus novos colegas haviam resgatado aquela forma de comunicação contemplada em seus sonhos e prófugas lembranças, mas tinha a certeza de que era exatamente aquilo que lhe faltava. Agora poderia se comunicar claramente; desenvolver-se social, emocional e intelectualmente; interagir e compartilhar mensagens, ideias, emoções e sentimentos; e influenciar, inclusive os aldeões ouvintes, a aprender o novo idioma.
Deaf descobriu que o motivo da sua travessia era provar que os mundos não podem ser divididos pela falta de audição, mas unidos pela possibilidade da comunicação, da interação, da inclusão.

Texto oferecido aos meus colegas surdos e aos incansáveis colegas intérpretes da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).

Jaguaribe 17 de junho de 2017

Francisco Fernandes

domingo, 11 de junho de 2017

A Terceira Margem do Rio

A Terceira Margem do Rio é o título de um belíssimo conto de João Guimarães Rosa, que nos foi apresentado em uma formação para professores de Língua Portuguesa. Guimarães Rosa é um dos autores de ficção experimental da terceira geração do Modernismo. Sua obra é extremamente original, principalmente pelo uso de neologismo, que é a arte de inventar palavras, e pela linguagem popular que modificou radicalmente o regionalismo na literatura.  
No conto, o narrador apresenta-nos um pai de três filhos, sendo dois meninos e uma menina. O pai é uma pessoa quieta e tranquila, cumpre seus deveres sempre trabalhando honestamente, mas um dia resolve construir uma canoa e adentrar ao rio, ficando ali, porém distante das margens. Vive por anos naquela canoa, longe da família, isolado de tudo e de todos. No início o filho leva comida para a margens e ele se alimenta dela, sem sair da canoa. Com o tempo os filhos vão casando, a esposa vai morar na cidade com uma filha e o filho mais velho, ainda solteiro, resolve ficar na fazenda para cuidar do pai. Depois de muitos anos o filho decide substituí-lo no seu autoexílio, mas quando vê a imagem do pai deteriorada pelas intempéries dos longos dias de sol, chuva, desgaste físico etc., foge e adoece consumido por um grande remorso.
São muitas as interpretações feitas a esse conto. Uns o decifram pelo viés da religião, outros da psicologia, do existencialismo. Gostaríamos de analisá-lo da forma mais simples possível, pois observamos que em alguns contextos nos mantemos nessa terceira margem, principalmente quando notamos o quanto são melindrosos os relacionamentos. Alguns chamam isso de covardia, de falta de personalidade, mas preferimos descrevê-lo como um desejo de amizade, cumplicidade; principalmente quando se trata de um grupo de colegas de uma mesma instituição. Há aquela opinião de que futebol, política e religião não se discute, mas alguns acreditam que se pode debater de tudo, respeitando as ideias e não conduzindo-as para o lado pessoal.
Em todos os lugares há sempre, no mínimo, dois grupos.  Na política há os de direita e os de esquerda. Triste é quando, no clímax da discussão, se tenta denegrir o caráter dos simpatizantes de um deles. Na religião há os conservadores e os liberais. Deprimente é quando não se encontra o amor pregado por ambos, devido ao calor das controvérsias teológicas. Na profissão há sempre aqueles que manifestam um enorme desejo de reconhecimento e o impõe de forma exacerbada ou acham que são melhores que os outros, não esperando o reconhecimento chegar a bom tempo. Na Educação prega-se a tão desejada gestão democrática, mas parece que gestores e geridos estão sempre em pé de guerra. Alguns, não muito dados ao debate, preferem tomar sua canoa e manter-se no leito de um rio de frugalidade, à terceira margem. Quem sofre a consequência disso?
As redes sociais têm sido um verdadeiro ambiente de proliferação de malcriações, xingamentos, humor negro e tudo que, em uma sociedade madura, se discutiria somente com solidez de argumentos. Já paramos para pensar no motivo que levou aquele pai para a terceira margem do rio? Será que não havia “enchido o saco” com as incompreensões da família, as cobranças que lhe eram imputadas? Margem direita, margem esquerda ou terceira margem? Céu, inferno ou purgatório? Neste “mundão de meu Deus”, será que há lugar para se viver com suas próprias ideologias?

Francisco Fernandes
Fortaleza, 11 de junho de 2017

domingo, 4 de junho de 2017

Matutar com a cabeça

Matutar com a cabeça parece ser redundante, mas se analisarmos o contexto em que a expressão foi aplicada, veremos que faz um grande sentido.
Matutar significa refletir sobre alguma coisa de maneira demorada, pensar. Etimologicamente origina-se da palavra matuto, provavelmente referindo-se a sua sabedoria informal, conhecimento de mundo.
Nas avaliações do primeiro bimestre deste ano, fiquei na responsabilidade de aplicar as provas de matemática a uma determinada turma de alunos fora de faixa etária. A professora da referida disciplina determinou que os alunos não deveriam utilizar calculadora, inclusive dos celulares. Com um olhar perscrutador, característicos dos exímios aplicadores, observei um movimento curioso de um dos alunos avaliados. Aproximei-me e, surpreendentemente, encontrei-o de posse a uma tradicional tabuada, daquelas que apresentam a imagem de uma professora direcionada a uma aluna, apontando com uma varinha, para um cálculo matemático, lembram?
Rubião era um aluno daqueles calados que ocupavam os últimos lugares da sala; bem mais velho que os demais; carrancudo; vestido de forma bem distinta dos outros colegas, pois lhe agradava usar camisas de mangas compridas; respondão, que só ele! Tinha características de um jovem bem interiorano e já havia ido para a ocorrência várias vezes. Dessa vez não era caso de ocorrência, pois tinha uma certa razão quando o interpelei: “Rubião, usando uma tabuada para resolver os cálculos, que é isso?” Respondeu: “E o que é que tem? A professora disse pra não usar calculadora ou celular, tô usando tabuada!”. De certa forma estava certo, mas... “Quando ela diz que não é pra usá-los, é porque quer que você faça os cálculos de cabeça, entendeu?” Inusitadamente, respondeu: “Oxente! e tem que matutar com a cabeça, é?
Teria ele razão? No mundo tecnológico e digital em que vivemos, há alguém que ainda “matuta com a cabeça”? Será que a maioria dos problemas que nos são acometidos hoje, não seriam por falta de “matutar com a cabeça? Sou de um tempo em que para fazer uma pesquisa escolar era necessário revirar a biblioteca e mergulhar nas mais tradicionais enciclopédias, estimulando assim, várias competências cognitivas. Para escrever algo, não contávamos com corretores automáticos, muito menos pesquisas instantâneas, Google, por exemplo. Tínhamos que ter um arsenal de dicionários, gramáticas, isso sem contar com o subsídio das muitas leituras clássicas, que são imprescindíveis para o acervo lexical. Tínhamos que “matutar com a cabeça”!
Os nossos alunos descobriram a tecnologia e isso seria excelente, se não negligenciassem a leitura. Deveriam, porém, usar aquela, sem omitir esta. A tecnologia veio para ficar, mas o cheiro do livro, a paz da biblioteca... são insubstituíveis! Observamos que o mau uso das tecnologias, das redes sociais, têm cambiado, inclusive, a estrutura do corpo humano. Este agora se divide em: cabeça, tronco, membro e celular. O aparelho já é uma extensão do corpo, pois é impossível viver sem ele! Caro Rubião! É necessário, urgentemente, voltar a “matutar com a cabeça”!
Atentemos agora para o lado negativo do “matutar com a cabeça”, pois, impressionantemente, nossos políticos contemporâneos, no afã de juntarem os seus bilhões de propinas, não têm seguido o exemplo das velhas raposas da política, “matutar com a cabeça”. A lava-jato está pegando a todos, mas não alcança os mais antigos. A tecnologia deixou os afoitos mais vulneráveis, visto que vez ou outra, vaza um áudio, um vídeo... não sabemos se por falta de instruções tecnológicas ou se é porque estão tentando encher a “medida do ter”, que, segundo o adágio popular, nunca enche. Os mais antigos, não! Estes sabiam “matutar com a cabeça” As marcas da sua corrupção se tornaram indeléveis, infelizmente. Neste contexto, definitivamente, meu caro Rubião, não é bom que eles aprendam a “matutar com a cabeça”. É preferível que eles se abestalhem e continuem escorregando nas suas próprias lamas.

Fortaleza, 04 de junho de 2017

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Ai, minhas amebas!

Quando eu era criança nutria alguns sonhos que somente nessa tenra idade se pode ter o luxo de ostentá-los. Um deles era quebrar um dos braços, para que as garotas da minha escola gravassem seus nomes e frases românticas no gesso. Outro era ter hepatite, pois se dizia que o tratamento consistia na ingestão de muito doce. Por último, gostaria muito de operar as amígdalas, uma vez que, operando-as, a recuperação seria feita através de sorvetes, gelados etc.
Falo um pouco dos meus sonhos pueris, para introduzir algo curioso que me ocorreu em uma das minhas aulas de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Joãozinho também tinha um sonho, mas o dele não era engessar um braço, nem ter hepatite, muito menos operar as amígdalas; era operar as “amebas”. Sonhava em extraí-las, visto que, almejava realizar as leituras em voz alta, dos belos textos literários trabalhados em sala de aula. Todos riram copiosamente. Uns riam, mesmo sem compreender, contagiados pela euforia dos outros. Estes, os que sabiam o significado de amígdalas, recusavam acreditar no que haviam escutado: “Tenho que operar as amebas, pois elas inflamam quando leio em voz alta”.
Meditando na pérola extraída daquela ostra, quedo-me a pensar se ele se referia mesmo a ameba, já que é um parasita que se aloja e passa a viver no intestino humano, não na garganta, consumindo os nutrientes do nosso corpo e, assim, fazendo enfraquecer o nosso organismo. Alguns sinais da presença de ameba são: fadiga, cansaço, apatia com frequência, ansiedade, esquecimento e outros. Será que o baixo nível de aprendizagem dos nossos alunos não seria ocasionado pela grande quantidade desse parasita no intestino deles? Lembro-me que quando estava com preguiça, com muito sono, sem querer fazer as atividades da escola, minha mãe dizia que só estando com verme, ou seja, ameba.
Não gostaria de fazer juízo precipitado ou generalizar, dizendo que os problemas na Educação do país sejam ocasionados por verminoses, mas dizemos que sim, quando analisamos a corrupção, quase que inerente aos políticos gestores da nossa nação. São verdadeiros vermes, parasitas que se alojam nos organismos públicos, para somente consumir os nutrientes que seriam utilizados nas escolas, na formação continuada e valorização dos professores. Investimentos que, certamente, são indispensáveis para a saúde intelectual e cidadã das nossas crianças. Em vez disso, temos alunos apáticos, de baixo rendimento, de péssima capacidade de inferência e memorização.
É verdade que a família tem grande parcela de culpa, mas ela também é vítima dos parasitas políticos. Eles sugam todas as possibilidades de uma vida de qualidade, mantendo-a, em algumas situações, às margens do animalesco. Com isso não gostaria de concordar com Rousseau, quando afirma com seu romance, Emílio, que o ser humano é naturalmente bom, sendo corrompido pelo meio. Prefiro concordar com o salmista, quando conclui que “Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errado desde que nascem, proferindo mentira”. Esta teoria bíblica não inocenta os causadores das mazelas sociais, pois soberania divina e responsabilidade humana é uma complexa dicotomia a ser tratada em outro momento. Uma coisa é certa! Tais parasitas são reais e faz décadas que vêm causando grandes estragos à sociedade.
Necessita-se urgentemente da erradicação desses parasitas (Entamoeba histopolytica). O tratamento não será com metronidazol, tinidazol ou secnidazol. Será que o amebicida correto é mesmo o voto?
Francisco Fernandes

Maracanaú, 17 de janeiro de 2017